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Ex-presidente da Fundação Butantan se defende

Leia abaixo carta do professor Isaias Raw sobre a polêmica a respeito do incêndio no Instituto Butantan

De: Prof. Isaias Raw
Para: Folha de S.Paulo e Estado de São Paulo
Data 19-5-2010

Assunto: O incêndio no Butantan

Lamento que tenho que restringir minhas declarações a um texto escrito. Repete-se 1969 quando perseguido pela Ditadura e seus aliados, o prestigioso New York Times pediu uma entrevista. Informei que minha família ainda estava no Brasil e só daria declarações se o texto me fosse submetido. O texto submetido não foi o que apareceu no Jornal! Defendo a liberdade da imprensa, que deve ser responsável. Disse ao inexperiente repórter, que como foi determinado que as declarações seriam do Diretor do Butantan e que aguardasse um texto escrito. Não foi o que ocorreu! Tenho portanto direito à resposta!

1. Como Diretor do Instituto, eu já havia advertido os responsáveis pelo acervo de Coleções de Animais Peçonhentos, que o álcool usado para conservar estes animais, evaporava criando um ambiente com vapores, que certamente um dia levaria a um incêndio de altas proporções. Bastaria substituir o álcool por glicerina (outro álcool, mais seguro). Os pesquisadores e a Engenharia do Instituto recusaram-se a tomar conhecimento da advertência e ao receber os recursos da FAPESP para aumentar o patrimônio, nada fizeram para prevenir a anunciada catástrofe.

2. A coleção de cobras, algumas ainda colhidas por Vital Brazil, tinham um valor sentimental e histórico. Todos lamentamos, mas o real patrimônio deixado por Vital Brazil não foi a coleção de cobras, mas descobrir como produzir soros! Vital Brazil iniciou produzindo soro contra peste bubônica, que permitiu reabrir os portos do Brasil, onde nenhum navio chegava! Como médico, criou um Instituto que tinha como prioridade a saúde pública.

3. Quando cheguei ao Butantan, em 1984, o Instituto só produziu 39.000 ampolas de soro, que testadas pelo INCQS, foram recusadas, pois eram inativas e contaminadas! O respeito à herança de Vital Brazil era construir uma planta moderna e produzir como estamos fazendo 700.000 ampolas todos os anos.

4. O Brasil não produzia as vacinas para proteger as crianças e tinha uma altíssima mortalidade infantil, que reduziu-se a um nível mais aceitável com as vacinas que produzimos. O Butantan, reconhecido internacionalmente, entregou no ano passado ao Ministério 204 milhões de doses de vacina que produziu, 95% da produção nacional. Com o aparecimento da gripe aviária, altamente mortal, ficou claro numa reunião que participei na Organização Mundial da Saúde, que as vacinas produzidas nos paises mais avançados seriam reservados para sua população. Produzir vacinas era um problema de segurança nacional!

5. Tenho uma longa história como pesquisador e formador de pesquisadores e professores universitários. Sempre afirmei nas publicações sobre o Butantan, que Institutos que não tem pesquisa, não logram produzir soros ou vacinas. Isto não significa que cabe diretamente ao Instituto financiar as pesquisas básicas, porque o pesquisador deve submeter projetos, que outros cientistas, protegidos pelo sigilo, julgam. Só pode ser financiado pesquisas que passaram pelo crivo da comunidade cientifica nacional e internacional. O financiamento sem este crivo leva inexoravelmente a decadência da Instituição, que encontrei em 1984, quando o Instituto pediu socorro a uma dezena de professores universitários de alto nível que estavam sendo aposentados. Só é publicado, em revistas internacionais artigos que um comitê de pares analisou. É isto que deixei como norma durante minha gestão, que contribui para que o Instituto obtivesse auxílios da FAPESP, CNPq e até do exterior, publicando em boas revistas e hoje tem um nível comparado as Universidade públicas do Estado e da Fiocruz. Ao contrário da manchete da Folha, nunca na historia do Instituto os pesquisadores logram obter tantos recursos para pesquisa científica!

6. Como diretor fui buscar recursos para recuperar o Museu Biológico, um Museu com uma coleção de cobras vivas, visitadas por meio milhão de crianças e turistas de todo o mundo. A Dupont contribui com 300.000 dólares. A população nada sabia de vacinas e criei o Museu de Micróbios e Vacinas e foi a Aventis que deu outros 300.000 dólares, completado com recursos da Fundação Vitae e da Fundação [Butantan]. Mais recentemente a Fundação teve que socorrer a construção do novo Laboratório de Farmacologia, que pesquisa venenos, onde os recursos solicitados a FINEP foram gastos, sem completar a obra.

7. O incêndio é o momento de rever a atividade científica dos pesquisadores do acervo. Não podemos simplesmente juntar todas cobras que são trazidas. A produção de soros é feita com venenos de cobras criadas em ambiente limpo. Precisamos entrar na era da biologia molecular, que já tem 50 anos! Mais importante do que o número de cobras é manter o DNA que deve ser seqüenciado, o exame dos cromossomos, que foi abandonado, e amostras do veneno. Com um projeto moderno haverá auxílios da Fapesp, do CNPq e da FINEP. Nada adianta mentir, que a coleção gerou "milhares de teses e trabalhos publicados em revistas importantes", que se fosse verdade, como afirma um artigo publicado na Folha por um pesquisador do Butantan (que se diz também, professor da UNIFESP, o que se for verdade deveria ser afastado por ter dois cargos em tempo integral), o pequeno grupo que se dedica a coleção publicaria mais que todas as Universidades públicas juntas.

8. Ser neto do grande Vital Brazil não dá autoridade para definir o papel do Butantan. Os recursos que por anos economizei são fundamentais para a população. Iniciamos a produção de vacinas e soros um ano antes que o Ministério da Saúde defina o que precisa e tenha orçamento para encomendar ao Butantan! Paga no ano seguinte, quanto quer e quando pode! Somos a âncora das metas de auto-suficiência para soros e vacinas, promovida pelo Jatene como Ministro, inovação e desenvolvimento tecnológico do atual Ministro. Para fazer frente a isto, e pagar cerca de quatrocentos funcionários da Divisão de Produção, ao deixa a Presidência da Fundação, deixei 200 milhões de reais. Sem a produção do Butantan estaríamos sempre dependentes de empresas internacionais, algumas das quais, por falta de retorno financeiro abandonaram a produção de soros. Hoje além de fornecer soro antidiftérico para Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, estamos trabalhando para desenvolver soros para o Marrocos e outros países do Norte da África e para o Madagascar.

9. Como diretor levantei 300 mil dólares, da Dupont, para reformar o Museu Biológico, onde ficam cobras vivas e outros 300 mil dólares da Aventis, que com recursos da Fundação Vitae criou o único museu existente de micróbios e vacinas. Os dois museus atraem cerca de 500.000 visitantes, na maioria jovens estudantes, por ano e oferece kits e laboratórios para os alunos fazerem experiências, que ajudar a formar novos quadros de cientistas. A Fundação tem arcado com o custo dos monitores e outros materiais para os museus.

10. Entre as novas prioridades são as vacinas de dengue que infectou este na 500.000 pessoas, o rotavirus com uma vacina que cobre todos os 5 tipos de vírus presentes no Pais, o surfactante que evitará pelo menos metade de 150.000 das mortes por bebes sufocados poucos minutos depois do nascimento e a criação de vacinas múltiplas para a maternidade e para crianças, juntando 3 a 7 vacinas diferentes. Certamente Governo, o Ministério da Saúde, as Fundações de Apoio, o BNDES e a própria população são capazes de entender a importância, que não foi refletida nos principais jornais.

Nota da redação: A entrevista do professor Isaias Raw está gravada. O cientista pediu ao repórter Ricardo Mioto que apenas um trecho não fosse publicado, e seu desejo foi atendido.

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